Segundo e último dia do Fórum Futuro da Tributação, em Coimbra, mostra que o direito tributário precisa andar próximo do financeiro e da regulação.
“O futuro da tributação passa por reorganizar a proximidade do direito tributário, com o financeiro e a regulação. Um ponto muito importante indicado por este fórum é que o direito tributário se reaproxima do direito financeiro de uma forma muito expressiva e traz, de maneira necessária, os aspetos da regulação. Os três precisarão andar juntos para que possamos entender e dinamizar esse futuro com um propósito: as pessoas. O tributo serve às pessoas. Porque ele serve para fazer política pública para servir às pessoas”, comentou Hadassah Santana, professora da FGV e do IPD, ao resumir Fórum Futuro da Tributação, realizado nos dias 6 e 7 de novembro.
Idealizado pelo Fórum de Integração Brasil Europa – FIBE, com o Instituto Jurídico da Universidade Coimbra, o evento teve como tema principal as mudanças horizontais impressas pelo avanço tecnológico nos serviços e na indústria transformadora, através da inteligência artificial generativa e da robótica, na tributação internacional. Convidado do painel Visão Geral dos Alicerces dos Sistemas Tributários, Alberto Barreix do CIAT – Center of Tax Administrations e líder fiscal do BID, em Washington, chamou a atenção para as consequências fiscais da revolução tecnológica no emprego. “E quando digo no emprego, refiro-me aos impostos mais importantes, que somam 75% do que o mundo arrecada praticamente por país. O imposto sobre o rendimento, sobre o IVA e também as alterações na segurança social. Portanto, só há um erro no FIBE: esta não pode ser a tributação do futuro, o futuro já cá está. E não é como nós o imaginámos, como dizia Paul Valéry. O futuro não se parece com o que costumava ser e penso que é perfeito”, opinou.
Conforme o especialista, o futuro parece desafiante, mas não se pode dizer que seja contrário. “Embora o capitalismo, sob várias formas, esteja a ganhar terreno, o problema é como tornar este capitalismo mais justo e mais humano. E um dos instrumentos, não todos, vai ser a tributação, o outro vai ser a regulação. Ironicamente, num mundo em que há empresas muito grandes e interesses nacionais, a fiscalidade é mais fácil de resolver do que a regulação, porque a regulação tem ainda uma componente doméstica muito importante. Portanto, o problema: eu mudaria o título, o futuro da tributação é agora”.
As Moedas e Instrumentos Digitais também foram debatidas, por especialistas como André Morais, do Banco de Portugal; Márcio Luís, da Casa da Moeda do Brasil; Dayana Uhdre, procuradora do Estado do Paraná (BR); pelo advogado Daniel de Paiva Gomes e pela professora Teresa Almeida, da FDUC, da Universidade de Coimbra. Entre as provocações levantadas, qual será o papel dos bancos comerciais nas transações com criptoativos e ainda se o IVA é maduro o suficiente para lidar com as criptomoedas. “Os criptoativos são combustíveis que fazem funcionar uma tecnologia. A materialidade pode ser a prestação de serviços jurídicos. A OCDE está atenta à natureza do ativo. A Bitcoin em si é um artigo não financeiro. Se crio um produto, um valor mobiliário, tributo isto”, comentou Daniel de Paiva Gomes.
“Entre o real e o ideal, tem o possível. O enquadramento ideal é relacionado ao destino e à funcionalidade, mas essa é uma discussão para meses e anos”, completou o representante da Casa da Moeda do Brasil. O debate foi acirrado também no painel Tributação da Economia e Negócios (cada vez mais) Digitais. Moderado por Celso de Barros Correia Neto do IDP de Brasília, a conversa reuniu a professoa Marta Costa Santos (FDUC, Coimbra); Cláudio Orestes Brito (FDUC/UC); Mônica Defilippi Hobeika (FACAMP, Campinas) e José Borges da Silva Neto (Anatel, Brasília).
“O regime internacional foi pensado para modelos que já não existem e deixam de ter sentido. Temos desafios muito grandes que se impõem às figuras clássicas da tributação. Se comprávamos um carro e acrescentávamos extras, eles tinham de vir assim da fábrica. Hoje, os carros são mais baratos e os extras são comprados online, no site da montadora na Alemanha, por exemplo, e, mal eu os adquiro, são liberados no meu carro de forma digital. Até os negócios tradicionais compreenderam que precisam incorporar uma forte componente digital e o que era vendido e tributado como bem, passa a ser também adquirido como serviço. E como ficam as operações? Onde são tributadas? Passamos de um problema de dupla tributação para a dupla não tributação”, provocou a professora Marta Costa Santos.
Confira destaques do Fórum Futuro da Tributação no Twitter do FIBE
Considerando a tentativa, por vezes desesperada, dos países de tentar conseguir tributar esse meio, mantendo conceitos de estabelecimentos estáveis, como residência ou emprego, Cláudio Brito chamou a atenção para o tempo dos debates. “Quem dá essa nova roupagem e em que tempo? Por exemplo, quanto demorou para a Anatel regulamentar e taxar o streaming?”. O representante da Anatel comentou que tentar regular os novos meios de mercado é tentar apanhar um comboio que já saiu da estação. “Sempre vamos estar atrás. É preciso alinhar todos os mercados, todas as estratégias para criar um universo tributário mais homogêneo e justo, mas é preciso que levemos em consideração que alguns mercados não acompanham, no mesmo passo, o desenvolvimento da tecnologia”.
Professora da FACAMP, Mônica Defilippi Hobeika alertou que a” urgência não nos permite atropelar os princípios tributários. Temos que os seguir rigorosamente. É esse o nosso papel. Pensar no que há de vir e enquadrar para garantir a efetividade de direitos civis”.
No encerramento do Fórum Futuro da Tributação, a professora Hadassah Santana lembrou que a discussão precisa ser permanente, pois “o futuro já nos bate à porte e continuará batendo. A grande questão é que estamos numa encruzilhada e precisamos decidir alguns caminhos e por isso a importância deste fórum na discussão de quais caminhos tomar em tantos temas, que envolvem a tributação. A gente já discutiu criptomoeda, questões trabalhistas, regulação, telecomunicações… todas essas questões são demandas presentes, que dão pistas para o futuro, mas, ao mesmo tempo, sabemos que, daqui a dois anos ou menos, muito vai mudar e precisaremos repensar essas bases”.
“Sendo o único que não é advogado nem professor nesta mesa, me cabe apenas agradecer a todos pela presença e permanência até altas horas desta terça-feira. Agradeço aos palestrantes, pelo brilhante desempenho, e às instituições que nos apoiaram: a Casa da Moeda do Brasil – CMB, o IDP, Instituto Jurídico e, dentro dele, a professora Matilde Lavouras, que tornou possível este evento num local de valor histórico”, agradeceu o diretor-executivo do FIBE, Eduardo Jorge Caldas Pereira.
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