Terceiro painel do dia reúne juristas e especialistas no debate sobre negociação e acordos para chegar a uma Justiça mais célere.
A importância de um justo reparo às vítimas dá o tom do painel Conceitualização e quantificação do dano de massa, no Fórum Impactos Econômicos e Sociais dos Litígios de Massa, realizado pelo FIBE, no CCB, em Lisboa, nesta quinta (28). A advogada e ex-ministra da Advocacia Geral da União (AGU) Grace Mendonça destacou a importância da dedicação e da mediação do Judiciário para conseguir chegar a um resultado e a uma solução justa às vítimas. “Quanto mais vertentes das vidas das pessoas atingidas, mais complexa será a quantificação. Quando se trata de um desastre de grandes proporções, alguns aspectos atingidos são imateriais. Como quantificar aquele dano quando aquela pessoa envolvida perdeu todas as suas referências, ou mesmo a própria vida?”, questiona Mendonça.
Para ela, é possível, “a partir do diálogo e do entendimento, chegar a uma Justiça mais célere”.
Com experiência na gestão dos acordos de Mariana e Brumadinho, Alexandre D’Ambrosio, vice-presidente executivo de Assuntos Corporativos e Institucionais da VALE, falou sobre a importância da negociação com as vítimas: “a solução adotada no caso de Mariana foi bem diferente da que adotamos em Brumadinho”, lembrou. “Sobre Mariana, foi criada uma fundação, da qual participavam três empresas, dois estados e a União, para levantar os prejuízos e danos. A medida se provou ineficaz. Sobre Brumadinho, decidimos assumir diretamente a responsabilidade pela reparação e solução do problema, o que permitiu uma gestão mais eficaz e mais rápida. Abrimos mesas de negociação para atender as pessoas individualmente e fizemos acordos individuais com mais de 14 mil pessoas. Com base nessa experiência, decidimos buscar decisões semelhantes para a repactuação do caso Mariana. Assim, após três anos e meio, conseguimos o acordo global com indenizações e reparação, já homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF)”, detalhou.
Para ele, a quantificação dos danos foi primordial para se chegar a um acordo. “Quantificação de danos ambientais, sociais e intangíveis, ou seja, as vidas humanas, a degradação cultural, só para citar alguns. O que se procura fazer é compensar as pessoas pela perda buscando formas de atenuar a dor. Em todas as situações, a premissa é assegurar o respeito e a dignificação das pessoas atingidas. Um exemplo foi a construção de um memorial das vítimas, pedido feito pela associação dos familiares, nos termos que eles pediram, sem qualquer interferência da empresa. O reassentamento das famílias, a construção de uma nova cidade, foi outra forma de atender às vítimas, que escolheram a arquitetura das casas, o estilo, e ao fim de 4 anos esta cidade já existe, com escolas, hospital e toda a estrutura”, completou.
Villas Bôas Cueva, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), destacou que o processo coletivo no Brasil é impensável sem que se fale de acordos. “Não fossem esses acordos, não teríamos soluções”, expôs, considerando, ainda, que o sistema judiciário é visto, muitas vezes, como um cassino, uma aposta sem riscos. “Vivemos uma crise no sistema de Justiça que exige alguma reforma mas, principalmente, precisamos de uma mudança na forma de administração do setor”, afirmou.
Marcos Ferrari, presidente-executivo da Conexis Brasil, também participou do painel. A Conexis é o sindicato patronal das operadoras de telecomunicações. “O setor representa hoje 3% do PIB. Nós temos 340 milhões de contratos ativos. Ainda que tenhamos este número, as nossas reclamações caíram 55% nos últimos cinco anos, uma queda extremamente significativa. Diante desses dados, naturalmente que temos uma grande escala por definição, e neste contexto nos configuramos como um dos principais setores alvos de comportamentos oportunistas relacionados aos processos de litigância de massa”, ponderou.
Ferrari também citou alguns números. “Recentemente, tivemos um levantamento que aponta que, de 2020 a 2023, quatro agentes ajuizaram 30 mil ações por danos morais, destes, 75 foram extintos por improcedência e ausência de mérito. Mas isso gera custos, e a cada vez que eu gero um custo, eu tiro este recurso de outra área”.
Números da Conexis contabilizam que cada processo custa, hoje, aproximadamente R$ 9 mil, cerca de R$ 17 bilhões, imputados ao erário públicos por ações oportunistas e litigância predatória. Isso sem falar que esta demanda também faz aumentar o tempo de resposta de cada ação. “Esta redução de custos geraria um aumento dos investimentos no sistema”, afirmou Ferrari. Como sugestão, o setor de telecomunicações acredita que a Inteligência Artificial pode ajudar bastante o sistema Judiciário do País na identificação dessas demandas predatórias.
Já Cristiane Coelho, professora do IDP e diretora Jurídica na Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), mencionou a importância do tempo no valor do dano. “O tempo nas ações de massa multiplica o valor do dano e faz com que as provas que a gente precisa levar para a quantificação do dano se percam. As ações de massa requerem um tempo longo de apreciação”. O painel foi moderado por Murillo de Aragão, professor adjunto da Columbia University e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Legislativo. “A questão deve ser tratada dentro de uma racionalidade para evitar excessos e promover a Justiça”, pontuou.