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Futuro da Tributação: “Precisamos discutir um imposto que não seja controlado na fronteira do aeroporto” 

Na véspera da votação da PEC 45, no Brasil, especialistas discutem entraves para a tributação na era digital em fórum do FIBE, em Coimbra.  

Imagens: Cláudio Noy/FIBE/Divulgação

Na véspera da votação da reforma tributária do Brasil, a chamada PEC 45/2019, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), do Senado, o Fórum Futuro da Tributação discute os desafios mais prementes da tributação mundial em Coimbra, Portugal. Realizado pelo Fórum de Integração Brasil Europa – FIBE, com o Instituto Jurídico da Universidade de Coimbra, o encontro reúne especialistas, entre magistrados, autoridades, pesquisadores e técnicos para discutir as disrupções na gestão da cobrança de impostos no mundo, neste primeiro dia.  

Particularmente, no caso do Brasil, o vice-presidente do FIBE, o economista José Roberto Afonso, pontuou a questão do engessamento da política tributária, “quando algumas pautas, claramente, não precisam ser tratadas em textos constitucionais porque as necessidades mudam”, comentou, chamando a atenção que o fato de o mundo, principalmente a Europa, discutir celeridade nas mudanças para fazer frente ao ritmo frenético da economia digital.  

“Hoje, as dez maiores empresas em bolsas como Nova York ou Frankfurt, não produzem nada físico. Produzem no digital. Precisamos discutir um imposto que não seja controlado na fronteira do aeroporto e não há uma solução clara nem uma resposta simples para lidar com essa realidade. O consenso ou a quase unanimidade é que os impostos que temos hoje não serão cobrados no futuro. Pelo menos não como são cobrados agora”, declarou, ressaltando a importância do debate.  

Autor do livro O dever fundamental de pagar impostos, o professor José Casalta Nabais destacou a necessidade da solidez do estado fiscal no painel Brevíssima História – O Imposto na Era Moderna. O debate seguinte – intituladoVisão Geral dos Alicerces dos Sistemas Tributários, com moderação de Fernando Scaff (USP) – começou com a exposição de Alberto Barreix (CIAT e BID), que defendeu a simplificação como o maior benefício a ser adotado pelos governos do mundo, seguido da colaboração mundial. “Há que se buscar soluções globais, que considerem a geolocalização da economia da era digital, ou o mundo do futuro terá problemas sociais. Se mais de 50% da tributação do mundo desenvolvido está comprometida, quem vai pagar a governança do futuro?”, provocou Barreix.  

Aceda ao porgrama completo do Fórum Futuro da Tributação

O professor João Ricardo Catarino (ISCSP/UL, ULisboa) reforçou a importância de ainda se discutir a divisão da tributação. “Não vamos acabar nunca com esse debate. Continuamos partilhando mal a tributação e esse problema precisa ser refundado em bases novas, a partir dos sistemas que estão sendo desenhados agora. Não há estado sem imposto, mas criamos sistemas complexos e não temos dogmática científica que suporte tanta demanda. Cada vez mais, somos menos contribuintes e mais impostores, porque as instâncias estão exaustas e não somos representados. Há um apartheid na cobrança de impostos e os ricos precisam parar de se resguardar em jurisdições que não são alcançáveis. Não fujam, paguem impostos”.  

A jurisdição também corre paralela a uma outra vertente dos novos sistemas tributários, que prevê ou antevê a Gestão Tributária na Era da Inteligência Artificial, tema de mais um painel do primeiro dia. Raul Zambrano, diretor do CIAT Panamá, brincou que, ao perguntar ao CHAT GPT sobre o papel da IA nos processos da administração de tributos, recebeu como resposta que o programa generativo respondeu que poderia lidar com grandes volumes de análise dados, bem como utilizar linguagem natural para respostas prévias e de escrever documentos que respondam aos contribuintes, em grande escala e de forma imediata, com “uma eficiência e uma certeza muito grande”.   

O especialista concorda que a IA consegue “simular elasticidades reais de todos os agentes da economia, analisar as dirupções a partir do clima e a automação dos processos de controlo e prestação de serviços”.  

Questionado se a inteligência artifical pode ser utilizada, de forma eficiente e segura, na administração tributária, respondeu: “a resposta mais honesta é sim e não. Não porque não podemos entregar à inteligência artificial a capacidade de tomar todas as decisões, pois impactam a vida da administração e, sobretudo, dos contribuintes. Mas também sim porque, com a quantidade de informação que temos, é indispensável incorporar no processo de automatização do tratamento da informação, técnicas de analítica avançada e inteligência artificial para que esses processos possam ser desenvolvidos em tempos razoáveis e de maneira geral para tratar de todo o sistema tributário, inclusive, as responsabilidades que tenham a administração, tanto na parte do controlo, como na parte da prestação de serviços. Muito importante a prestação de serviços porque a demora, por exemplo, na devolução de impostos podem afetar as pessoas que têm direito de recebê-la, mas podem ter de esperar — e a depender do país, por vezes, meses — para obter esse resultado. Se o processamento for automático, utilizando bem o recurso da inteligência artificial, essa restituição pode acontecer num momento”. 

Por outro lado, essa incorporação também levanta dúvidas sobre a ameaça ao capital humano. Secretário da Receita Federal no Brasil, Robinson Barreirinhas lembrou que a IA já é usada nos processos de trabalho, que depois são revistos por auditores e analistas. “A questão da IA gerativa no atendimento é o perigo de o sistema orientar o contribuinte porque esse é o papel da Receita Federal”. Cristina García-Herrera Blanco do IEF Madrid defende que “os ritos jurídicos no uso da inteligência artificial e outras tecnologias conexas é uma oportunidade para os governos, mas que é mesmo necessário adaptar os sistemas a essa nova realidade”. Também participaram do painel, o consultor Jorge António Rachid, Priscila de Souza, do IBET Brasil e Nuno Barroso, da APIT Portugal.  

Num painel sobre Disrupção: Tributação Seletiva, Corretiva e Sustentável, Juan Pablo Jimenez (CIAT, Buenos Aires) alertou sobre um aspecto humano, comentando que a humanidade enfrenta talvez o seu maior desafio, “que é o de passar de uma matriz de produção baseada em combustíveis fósseis para uma matriz de produção baseada numa economia energética mais limpa, a fim de sobreviver”. Na defesa do especialista, a tributação tem um papel importante a desempenhar neste processo. “Dois papéis, pelo menos: o primeiro tem a ver com as tarefas de atenuação através da tributação dos combustíveis e do incentivo a um menor consumo de combustíveis fósseis. Mas também tem um papel muito importante no financiamento dos custos de adaptação. Como dizem, e bem, organizações regionais como a CEPAL, isso tem um custo de 2 a 5 pontos do PIB por ano. Estes dois papéis estão de alguma forma interligados, porque enquanto atrasarmos a mitigação, a adaptação será muito mais dispendiosa. Por isso que a demanda premente para o meio académico e para a política pública é apurar as reformas tributárias que incluam algum tipo de critério ambiental”. 

O Fórum Futuro da Tributação ocupa o Colégio da Trindade da Universidade de Coimbra também nesta terça-feira, dia 7, e será dedicado a temas como a tributação de moedas e sistemas modernos, dos salários do trabalho sem emprego — uma preocupação predominante na Europa, pois o sistema atual é desenhado para cobrar impostos sobre empregos – e do consumo básico de bens essenciais.