Durante o II Fórum Futuro da Regulação, em Lisboa, líderes da aviação, saúde e indústria farmacêutica debateram os desafios da harmonização das normas e cooperação entre autoridades nacionais e organizações internacionais.

Quando a pandemia de COVID-19 obrigou o Brasil a organizar voos extras para trazer equipamentos da China e lidar com a complexa logística de distribuição interna, ficou evidente que reguladores de diferentes setores precisavam conversar mais entre si. Foi com essa provocação que o economista José Roberto Afonso, vice-presidente do FIBE e professor do IDP, iniciou o painel A Regulação no Contexto Internacional – Desafios de Cooperação e Convergência Regulatória, na manhã desta quarta-feira, no II Fórum Futuro da Regulação. Moderado por José Roberto, o painel reuniu líderes da aviação civil, saúde e indústria farmacêutica para discutir como autoridades e organizações do Brasil, de Portugal e de Espanha podem alinhar normas em mercados cada vez mais integrados.

Alice Serpa Braga Della Nina, procuradora federal da Agência Nacional de Aviação Civil e Vice-Chefe do Legal Committe da ICAO iniciou o diálogo destacando posição singular da aviação civil na regulação internacional, lembrando que o setor foi estruturado com normas técnicas globais vinculantes, mas também envolve dimensões económicas importantes.
A procuradora também lembrou que, nos últimos anos, a ICAO passou a resolver litígios entre Estados, além de destacar números que refletem a atualidade. “De 2016 para cá, foram apresentados sete desses processos. Antes disso, não havia nenhum. Acho que isso é muito sintomático do que estamos vivendo e mostra como o contexto geopolítico influencia a regulação”, afirmou.
Por fim, ressaltou a importância da articulação entre órgãos reguladores e instituições jurídicas. “Pensando em alguns desafios da convergência regulatória, quando a gente fala de regulação, normalmente pensa-se muito em ‘caixinhas’, com cada setor e seu próprio órgão regulador. Mas hoje há cada vez mais uma influência multidimensional que afeta todos os setores”, salientou a procuradora.
Confira a programação do II Fórum Futuro da Regulação

Dentro do contexto da convergência, o diretor da Anvisa, Tiago Campos, destacou o papel crescente da Agência no cenário internacional, bem como a relação direta entre o seu fortalecimento institucional e o desenvolvimento dos setores regulados no Brasil. Sublinhou que a Agência ocupa hoje posições de liderança em fóruns globais e tem atuado para ampliar a convergência regulatória, sempre preservando a autonomia e as especificidades nacionais. “Convergência não pode significar assimetria. Ela precisa ser construída com reciprocidade”, afirmou.
Na área da aviação, o superintendente de Aeronavegabilidade da ANAC, Roberto José Silveira Honorato, destacou o desafio da harmonização regulatória, explicando que “tentar unificar a redação de requisitos é inviável”, mas alertando que os países têm avançado em discutir premissas e objetivos comuns. O superintendente destacou ainda dois desafios crescentes no debate internacional: a multiplicidade de jurisdições envolvidas na fabricação de uma aeronave, com fornecedores espalhados pelo mundo e submetidos a regulamentos distintos; e a pressão de empresas e países para serem pioneiros na adoção de novas tecnologias, o que exige padrões regulatórios que incentivem a inovação sem gerar custos proibitivos. “Segurança é custo”, resumiu. “E esse custo pode inviabilizar toda uma atividade se não houver coordenação entre os países.”
Como exemplo de sucesso da cooperação internacional, citou o caso histórico de uma aeronave brasileira que recebeu certificação simultânea no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa, num mesmo dia, um marco que demonstra o potencial da convergência regulatória quando os processos estão alinhados.
Na mesma linha, o presidente da Associação das Indústrias de Medicamentos Genéricos e Biossimilares, Tiago de Moraes Vicente, comentou a importância da harmonia regulatória e da convergência internacional para o fortalecimento do setor farmacêutico brasileiro. Segundo Tiago, é possível construir confiança (reliance) entre países, “sem abrir mão da soberania e sem comprometer a autoridade da Anvisa”.
O presidente ressaltou ainda que o equilíbrio regulatório é fundamental para que investimentos e inovações floresçam. “A consagração do genérico pela Anvisa permitiu uma mudança profunda no cenário da indústria farmacêutica brasileira. Precisamos avançar na exportação e, para isso, a convergência harmoniosa entre nossa regulação e padrões internacionais é essencial”, afirmou.