Ministros, magistrados e dirigentes de agências discutem judicialização de políticas públicas, segurança jurídica e o papel técnico das agências reguladoras no II Fórum Futuro da Regulação.

O painel O Poder Judiciário e as Agências Reguladoras, encerrou o II Fórum Futuro da Regulação, trazendo ao de cima uma discussão ampla sobre a relação entre o Judiciário e as agências reguladoras no Brasil, bem como em contextos europeus. Clédio Fonseca, professor do IDP, conduziu a moderação do painel que abordou a uniformização de entendimentos sobre regulação setorial, a judicialização de políticas públicas e os desafios técnicos em disputas reguladas.

Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, abriu o painel relembrando a criação das primeiras agências reguladoras no Brasil. Para o ministro, “as agências reguladoras já são um passo no redesenho da ideia da divisão de poderes, do papel regulador e da transferência para um papel técnico”.
O estudo do presidente da FIBE, Vitalino Canas, foi citado por Gilmar Mendes numa reflexão sobre o papel da política na indicação e aprovação de membros reguladores, ressaltando a participação ativa do Congresso na nomeação das agências. “Como sabemos, as agências têm os seus membros aprovados pelo Senado e, dentro deste conceito mais amplo apresentado pelo professor Vitalino, o Senado deve entender que não se limita a aprovar os nomes indicados pela agência. É importante que participe previamente da indicação e discuta, na prática, o processo de nomeação”, comentou.
João Carlos Mayer, desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, levou o debate para a perspetiva do papel do Judiciário no controlo da legalidade de atos regulatórios, sublinhando que “precisamos ter uma autocontenção e separar muito bem o que é legalidade, o que é uma política pública inserida dentro de uma função normativa”.
Mayer destacou também que a falta de conhecimento técnico pode comprometer decisões regulatórias e que o Judiciário não deve substituir a função técnica das agências, garantindo segurança jurídica e respeitando a competência dos órgãos de controlo, como o TCU.
O debate ganhou novos contornos quando Verônica Sánchez da Cruz Rios, diretora-presidente da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, destacou a instabilidade enfrentada pelas agências reguladoras com a rotatividade dos governos brasileiros. “A cada quatro anos as agências veem suas ações e estruturas serem questionadas (…) consideram que [as entidades regulatórias] fazem parte da política do governo, quando na verdade atuam baseadas em decisões técnicas”, destacou.
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A diretora-presidente ressaltou a necessidade de estabilidade regulatória e de harmonização e alertou para a falta de corpo técnico para regular diferentes setores num país de dimensão continental como o Brasil. Sobre a relação com o Judiciário, observou que “quando vemos o judiciário suspendendo uma decisão da agência, está ignorando todo um trabalho e processo embasado tecnicamente feito pela agência”. Segundo Sánchez, são 18 meses entre pensar em fazer alguma coisa e o ato regulatório ser aplicado, por isso é fundamental respeitar a competência técnica de cada área.
Outro ponto sensível mencionado foi o dilema atual do controlo da atividade regulatória das agências, apresentado por Newton Ramos, desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Ele destacou três questões centrais: “O que é regular? Até onde as agências podem regular? Como se faz o controle dessa atividade reguladora?”. Ramos ressaltou ainda a importância de manter segurança jurídica sólida no país.
Nuno Cunha Rodrigues, da Autoridade da Concorrência, trouxe experiências europeias, citando diferentes casos, e destacou a tradição portuguesa de seguir a jurisprudência, refletindo sobre a importância de uma regulação multinível bem estruturada.
O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, Caio Castagine Marinho, discutiu os limites e desafios do Judiciário frente às agências reguladoras, tomando como referência um caso concreto analisado pelo Supremo Tribunal sobre a política nacional de biocombustíveis.

O encerramento do painel ficou a cargo de Vitalino Canas, presidente do FIBE, que abordou o tema sob a perspectiva constitucional. Canas destacou a tensão entre autonomia e controlo das agências: “Há uma tensão entre a necessidade de independência das agências reguladoras e uma necessidade de controlo destas agências”. Para ele, é fundamental que as agências tenham mecanismos de supervisão democrática, mas que sua autonomia técnica seja preservada. “As agências reguladoras precisam ter aqui algum controlo democrático”, completou.
Canas reforçou que a Constituição deve buscar um equilíbrio que permita às agências atuar de forma independente sem que o governo interfira diretamente em suas decisões, mantendo a integridade do processo regulatório. O II Fórum Futuro da Regulação aconteceu em Lisboa nos dias 26, 27 e 27 de novembro, reunindo quase 70 palestrantes em 12 painéis.