Notícia FIBE

“A chave da independência é o nosso sistema financeiro”

O segundo painel do terceiro e último dia do II Fórum Futuro da Regulação resgatou o passado para ajudar a discutir o futuro, na Academia das Ciências de Lisboa.

Imagens: Cláudio Noy/FIBE

Autonomia das Agências Reguladoras: O Futuro da Independência Regulatória começou por enquadrar historicamente a formação das entidades reguladoras em Portugal. O segundo painel do terceiro e último dia do II Fórum Futuro da Regulação resgatou o passado para ajudar a discutir o futuro, a começar por Paula Braz Machado, da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes. A especialista recordou que os organismos reguladores em Portugal remontam ao Estado Novo, quando surgiram os primeiros mecanismos considerados “a génese da identidade reguladora daquilo que conhecemos hoje, embora sejam muito diferentes daquilo que se pretende hoje”. 

Paula Machado sublinhou que a independência é essencial porque as entidades reguladoras se situam “no meio de dois grupos de poder, os regulados e o poder político”, sendo determinante para a equidade e o bom funcionamento do mercado. Reforçou que “não podemos esquecer que o chapéu da regulação é o interesse público” e que a falta de autonomia pode conduzir tanto à captura regulatória como à politização, resultando “numa intervenção quase direta” na atuação das agências. Para a especialista, é preciso “acabar com as amarras que ainda existiam de ligação ao Estado e da intervenção do Estado na economia”.

Na sequência, Guilherme Theo Rodrigues da Rocha Sampaio, diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres, abordou a evolução do modelo regulatório brasileiro ao longo de três décadas, discutindo o estado da arte e os desafios futuros. Destacou o papel central das agências está em implementar a política pública, garantir que o regulado cumpra as obrigações previstas no contrato e tenha retorno com lucro, e que o usuário pague sua tarifa, reforçando a importância da análise de resultados regulatórios para assegurar equilíbrio entre interesses públicos e privados. 

Sampaio chamou ainda atenção para os limites da independência no Brasil: “Temos autonomia decisória e administrativa, mas o Brasil é um dos poucos países nos quais não temos autonomia financeira”, afirmou, sublinhando que a impossibilidade de gerir o próprio financiamento “reflete na falta de autonomia” das entidades reguladoras.

Ricardo Rivero Ortega, professor da Universidad de Salamanca, trouxe ao debate a experiência espanhola e uma reflexão comparada com o Brasil, especialmente no contexto da regulação da IA. Lembrou que é fácil equivocar-se quando alguém faz previsões do futuro, mas existem técnicas. “Uma básica é recordar o passado, porque o que aconteceu no passado vai se repetir no futuro”, defendendo que é preciso revisitar o histórico da independência regulatória para projetar os próximos cenários. 

Ortega observou que, no passado, “as entidades regulatórias sempre estiveram presas à política”, sempre num jogo perdido, e alertou que, ainda hoje, “quando o poder político quer desenvolver uma estratégia económica determinada, não tem nenhum problema em ameaçar a independência regulatória, e a única barreira tem sido a Justiça”. Concluiu dizendo não acreditar que haja “um futuro muito promissor no que toca à independência das entidades regulatórias”.

Tiago Chagas Faierstein, diretor-presidente da ANAC, destacou que o papel das agências reguladoras é sempre voltado para a sociedade, por meio da atuação sobre os seus regulados. “Nós estamos trabalhando pela sociedade brasileira, utilizando, fiscalizando, certificando os nossos regulados”, mas para que tenham autonomia e independência é preciso aprender a dialogar com o governo e comunicar com a população. “Temos que ter a sociedade do nosso lado para que ela entenda por que a agência existe”, explicou.

Segundo Faierstein, a ANAC enfrenta um desafio adicional: a forte influência do setor sobre a opinião pública e a tendência do governo de criar leis que se sobrepõem à regulação, o que compromete a autonomia das agências. “A gente discute um aspecto técnico com um ente político”, explicou, acrescentando que a chave para uma maior autonomia, mas também um grande desafio é “continuar dialogando com o governo”, além de “ impor o meu conhecimento técnico para que ele respeite isso”.

Clarissa Costa de Barros, secretária nacional de Aviação Civil substituta, destacou que “as agências têm efetivamente um desafio enorme pela frente de como sobreviver com alguma autonomia, inclusive na própria autonomia financeira”. Representando a administração direta, Clarissa afirmou acreditar que a autonomia das agências depende de diálogo e coordenação: “O que temos testemunhado nos últimos anos no Brasil é que existe uma clareza de que isso não vai acontecer sem uma harmonização com outros órgãos e a comunicação com a sociedade.”

Isabel Apolinário, vogal do conselho de administração da ERSE, ressaltou que “esta independência, que é crucial para desempenhar a nossa atividade, também nos traz responsabilidades acrescidas”. A administradora trouxe uma contextualização sobre o funcionamento da ERSE em Portugal e destacou a importância do escrutínio público: “O que fazemos é que todas as nossas decisões são sujeitas a consulta pública. Todos os nossos instrumentos de gestão, como planos de atividades anuais e relatórios, são publicados”, explicou. Segundo Isabel Apolinário, esse processo de escrutínio também passa pelos conselhos consultivos, garantindo transparência na atuação da entidade.

O painel foi mediado por Larissa Oliveira Rêgo, diretora da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, que destacou uma ideia em comum no debate: “A chave da independência é o nosso sistema financeiro”, comentou.

Acompanhe a programação do II Fórum Futuro da Regulação