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FIBE Conversa: com guerra comercial, a OMC nunca foi tão relevante 

Roberto Azevêdo prevê que dólar seguirá como a moeda forte do comércio internacional, diz que China é challenger e que Brasil e Portugal não precisam esperar por uma retração na liderança dos Estados Unidos para crescer.

Ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) e presidente global de operações da empresa de gestão ambiental Ambipar, Roberto Azevêdo diz que a «guerra comercial» é «estopim para uma nova mentalidade». Embaixador do Brasil em Washington (1988-1991) e em Montevidéu (1992-1994), além de servir na Missão Permanente do Brasil em Genebra (1997 a 2001), Azevêdo defende, em entrevista exclusiva ao FIBE Conversa, que o momento pede que os países saiam «da zona de conforto» em busca de «soluções que viabilizem o mundo menos imprevisível, menos disruptivo».  

O especialista também destaca a importância de não esquecer o que chama de «pano de fundo»: « Não é de hoje que os Estados Unidos estão reclamando da simetria de tarifas, de aplicarem tarifas mais baixas. A China, por exemplo, tem tarifas mais altas que as americanas; o Brasil e a Índia, muito mais altas. As negociações nunca avançaram e essas tensões foram se agravando e terminou onde nós estamos hoje, nessa rutura total». 

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O corte seco da economia global é, segundo o especialista, causado pelo fato de a China se apresentar como  um país que está desafiando a hegemonia americana. «Ao contrário da União Soviética, que era um desafio no plano militar, a China desafia em todas as três principais vertentes, nos planos militar, político e económico. É isso tudo faz com que a potência hegemônica, nesse caso, os Estados Unidos, procure desacelerar o desafiante». A mudança rápida nas regras globais é grave porque suplanta, nas palavras de Azevêdo, a ordem estabelecida no pós-guerra e que está nos seus estertores. «O problema agora é: quais são as ordens económica e política que vão suplantar o que tínhamos? Esse é o grande desafio da humanidade hoje».  

O jornalista Jair Rattner e o embaixador Roberto Azevêdo.

O desafio precisa ser enfrentado com estratégia. Azevêdo pensa que o Brasil, assim como Portugal e Espanha, não precisa esperar por uma possível retração dos Estados Unidos na liderança do consumo global para se posicionar. «O futuro está nas mãos desses países, basta adotar políticas públicas adequadas, competitivas. O Brasil, por exemplo, tem a tradição histórica de privilegiar o mercado interno e as empresas ficam muito cómodas com a proteção fronteiriça e com o mercado cativo dentro das fronteiras. Uma maior abertura comercial, que leve a nossa produção, os nossos produtos, os nossos serviços para o mundo, tem a capacidade de alavancar esses países para um novo patamar de desenvolvimento».   

«Haverá elemento de discriminação nesses acordos (bilaterais), haverá desvio de comércio nesses acordos»

O especialista também defende a OMC nunca foi tão relevante porque é «justamente nos momentos de crise que as regras se fazem necessárias, assim como o debate, o que não significa que isso vá acontecer. Essa é a realidade. Hoje, 85% do comércio mundial não passam pelos Estados Unidos. Os membros da OMC podem perfeitamente se organizar, no sentido de continuarem respeitando as regras do comércio entre eles, procurando minimizar o impacto que inevitavelmente vai acontecer com os acordos bilaterais entre os Estados Unidos e outros parceiros comerciais; porque haverá elemento de discriminação nesses acordos, haverá desvio de comércio nesses acordos. Em vez de abandonar as regras, de desistir, os demais membros da OMC deveriam buscar, junto com os Estados Unidos mesmo, repensar o comércio internacional, as bases em que o comércio internacional acontece». 

FIBE Conversa é uma série digital que produz e torna acessível um conteúdo de credibilidade e integridade através de entrevistas a especialistas de renome mundial sobre matérias cruciais debatidas nos fóruns e workshops do Fórum de Integração Brasil Europa (FIBE). A terceira temporada teve como cenário o 2º Foro Transformaciones, realizado pelo FIBE, em Madrid, nos dias 8 e 9 de maio.  As entrevistas foram conduzidas pelo jornalista Jair Rattner, do Público Brasil, com Marina Costa Lobo, Luiz Augusto de Castro Neves; Rubens Barbosa e Virgílio Almeida, além de Roberto Azevêdo.      

Saiba mais sobre o 2º Foro Transformaciones