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“Temos que evitar retrocessos”, diz especialista sobre a regulamentação da IA

Especialistas do Brasil e Portugal debatem desafios e oportunidades na regulação da inteligência artificial, destacando a necessidade de cooperação, responsabilidade e preservação da democracia.

Imagens: Cláudio Noy


A perspectiva da consciência e de como a IA está a mudar a realidade social foi um dos focos do painel Inteligência artificial, governança algorítmica na regulação de plataformas digitais e economia de dados, na tarde desta quinta-feira, durante o II Fórum Futuro da Regulação. O recorte foi defendido pelo economista e gestor Francisco Jaime Quesado. O especialista destacou que a tecnologia está não só a transformar profundamente a vida das pessoas, mas também a relação de confiança entre cidadãos e Estado. “Vivemos muito na sociedade da incerteza, claramente que a inteligência artificial vai trazer alguns avisos importantes”, comentou.

Jamie Quesado sublinhou ainda que a IA também altera a dinâmica entre gestores e trabalhadores, exigindo novos pactos de confiança dentro das organizações. Nas palavras dele, o verdadeiro desafio passa pela capacidade das instituições de criarem valor que seja “percebido e partilhado pela comunidade”, garantindo que a tecnologia sirva o interesse público e não apenas a eficiência interna.

Com décadas de experiência na administração pública, Anabela Pedrosa, ex-secretária de Estado da Justiça de Portugal, abriu o debate lembrando que pôde vivenciar “em primeira mão” iniciativas no processo de transição digital dos serviços públicos em Portugal, como a criação da Loja do Cidadão, websites públicos e a implementação do Cartão de Cidadão.

Para a ex-secretária, um ponto essencial de reflexão é compreender a relação entre a tecnologia e o modelo de sociedade que desejamos criar. “Pergunto-me como vamos garantir que a tecnologia fortaleça a democracia e o papel do Estado”, refletiu. Salientou ainda que a regulação deixou de ser vista apenas como um “mecanismo jurídico pesado” para se tornar parte de uma “definição social” mediante a evolução tecnológica. “Quando falamos em IA, economia de dados (…), estamos também a falar de um modelo de sociedade que queremos para o nosso futuro”, comentou.

Anabela Pedrosa também alertou para “ilusões tecnológicas” e “ilusões algorítmicas”, reforçando que mais tecnologia ou mais normas não significam automaticamente melhor segurança. Chamou a atenção para a tendência de cientistas de dados se “apaixonarem pelos seus data centers”, perdendo de vista o impacto social. A especialista defendeu a necessidade de reinventar a própria ideia de regulação, repensando o seu papel numa sociedade democrática.

Na sequência do painel, Joana Neto Anjos, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, destacou a transição atual da administração pública: “estamos a passar de um modelo digitalizado para um modelo realmente digital”, explicou.

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A oradora aprofundou o debate sobre responsabilidade algorítmica, levantando questões cruciais como formas de controlar o algoritmo e como atribuir responsabilidade perante danos causados por sistemas algorítmicos, alertando para a necessidade de equilibrar eficiência tecnológica com a preservação dos valores democráticos e das garantias de direito. “Temos que pensar na eficiência do sistema, nas vantagens que traz, mas também aquilo que se perde em termos de direito democrático”, alertou.

Conselheiro da Anatel, Edson Holanda chamou a atenção para o excesso de regulamentação e questões de transversalidade de órgãos como a Agência Nacional de Proteção de Dados. Destacou as incertezas ainda sobre as competências regulatórias nos diferentes setores. “No Brasil estamos com a cabeça de competências setorizadas”, frisou.

Segundo o professor auxiliar da NOVA School of Law, Filipe Brito Bastos, “o Brasil quer descentralizar essa regulação, articulando todas as agências reguladoras e criando uma entidade coordenadora para esse sistema”. O professor citou o avanço do Projeto de Lei 2338/2023, que propõe a criação de um Sistema Brasileiro de Regulância para criar normas gerais para concepção, desenvolvimento, implementação e uso de sistemas de IA, assegurando que sejam seguros, confiáveis e respeitem direitos fundamentais.

O professor sublinhou a importância de um comitê de especialistas em IA, com capacidade técnica para produzir estudos baseados em evidências, e de um comitê de cooperação regulatória que assegure a dimensão de política pública do processo. Para Bastos, a regulação deve ter limites claros, mas precisa promover cooperação e fortalecer a autonomia e a soberania tecnológica, alertando que, no caminho da regulamentação da IA, “temos que evitar retrocessos”.

O painel aconteceu na tarde desta quarta-feira, 27 de novembro, no II Fórum Futuro da Regulação, em Lisboa. A mediação ficou a cargo de Gabriel Campos Soares da Fonseca, doutor em Direito Econômico pela USP e coordenador do Centro de Direito, Internet e Sociedade do IDP.