Ao debater o “Futuro da Democracia na Era Digital” com o especialista em direito constitucional e presidente do FIBE, Vitalino Canas, o ministro do STF lembrou o 8 de Janeiro e os recentes ataques a escolas brasileiras.

«Se fosse dizer que há uma mãe de todas as reformas, eu diria que é a da responsabilidade das plataformas digitais, da internet», defendeu o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, durante o painel “Futuro da Democracia na Era Digital”, no Duetos – Diálogos Além-Mar.
«O 8 de Janeiro foi tramado nas redes anunciando-se a “Festa da Selma”. Convidava-se para a festa da Selma e depois os cartazes diziam onde seria esta festa», lembrou. A referida festa foi a invasão dos prédios do Supremo Tribunal Federal, do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto. «Vejam os senhores as consequências disso. A gravidade disso. Eu tenho dito que o 8 de Janeiro é uma janela de oportunidades, de muitas maneiras, para que nós discutamos a imperiosidade, a necessidade de regulação das plataformas, nas suas responsabilidades».
Gilmar Mendes reforçou a necessidade de «rememorar esse “dia da infâmia” não apenas dizendo que foi algo grave, mas organizando a fuga para frente, fazendo novas institucionalizações». O especialista em direito constitucional e presidente do FIBE , Vitalino Canas, concordou que, sem ameaçar a liberdade de expressão, é preciso criar mecanismos de combate a desinformação na internet, que tem criado «manipulação e uma ilusão de empoderamento que é muito perversa para o povo».

O ministro Gilmar Mendes destacou que a liberdade de expressão nunca foi, mesmo no modelo tradicional, uma liberdade ilimitada. «É uma liberdade submetida a regras. Portanto, é fundamental que nós enfatizemos a necessidade de uma regulação que contempla a liberdade de expressão, mas não viole outros valores que a legislação considera fundamentais e, por isso, colocá-los na cena dos atos ilícitos. A própria legislação alemã, a Netzwerkdurchsetzungsgesetz, que é bastante paradigmática e na qual muita gente procura se inspirar, cumpre as leis já existentes».
Conforme o ministro, no Brasil, o Marco Civil da Internet, no artigo 19, ainda legítima alguns pontos que estão sendo discutidos agora no Supremo Tribunal Federal. Ao defender a necessidade de criar-se um modelo de responsabilidade procedimental das plataformas digitais, o ministro lembrou ainda o Digital Services Act que deve entrar em vigor na União Europeia em 2024.
Vitalino Canas também chamou a atenção para essa enorme dificuldade que existe hoje em conseguir que as plataformas não colaborem com a perpetração de crimes claros, como a difamação, a utilização abusiva ou distorção de imagens, a manipulação de notícias, às fake News. «Existe uma opacidade total, mesmo para quem tem meios para atuar juridicamente, quando se quer pedir ou definir responsabilidades. As plataformas criam esquemas de blindagem da sua irresponsabilidade que só se consegue furar com dispêndio de imensos recursos e tempo, muitas vezes com perpetuação da ação ilícita durante meses», comentou, destacando a importância de superar isto, «com intervenção do legislador, com maior transparência em relação a quem gere e é responsável pela a plataformas, com obrigação de ficar claro aquela pessoa individual ou coletiva que qualquer cidadão pode responsabilizar civil ou criminalmente quando se sente vítima e de não ter de o fazer em jurisdições estrangeiras, normalmente inacessíveis à generalidade dos comuns cidadãos. Se alguém é vítima de calúnia em Portugal, perpetrado por alguém que está ou não em Portugal, numa plataforma livremente acessível em Portugal, deve haver a possibilidade de chamar alguém à responsabilidade em Portugal e de isso ser de fácil e imediato conhecimento».
O ministro Gilmar Mendes demonstra otimismo quanto a este momento regulatório. «Me parece que nós temos que nos debruçar sobre isto, inclusive, fazendo algum experimentalismo institucional. Alguém dirá: mas nesse jogo com a tecnologia o direito sempre sai atrasado, sai perdendo e é verdade, mas nem por isso nós devemos ser pessimistas e não tentarmos fazer algo que está ao nosso alcance. Veja que uma dessas empresas, por exemplo, tem um faturamento maior do que o PIB brasileiro. Por isso se discute, inclusive, a questão do próprio poder. Ainda é empresa diante de tanto poder que elas acumulam? O Estado precisa fazer face a isto. É necessário que nós discutamos, claro, cumprindo também a nossa função na sociedade democrática, de chamar a sociedade civil, de recuperamos contra esses abusos e clamamos por mais conscientização».
A moderação foi do jornalista Luiz Gonzalez.